PAIS “HELICÓPTERO”

18.4.19

Quando as crianças começam a dar os primeiros passos sozinhos, quando começam a comer a sopa sozinhos, quando passam da fralda para o penico ou para a sanita ou quando começam a falar, isso geralmente provoca nos pais uma sensação de muita alegria. A constatação de que os filhos estão a crescer e a tornarem-se autónomos tem um sabor agridoce, provocando por um lado, medo e, por outro lado, uma doce sensação de realização. Dizemos aos nossos filhos que estão a ficar muito crescidos quando aprendem a fazer algo novo ou quando já conseguem fazer algo sozinhos que antes carecia de ajuda. Eles, muito orgulhosos de si próprios gostam de espalhar a boa nova por toda a gente: “já sei lavar os dentes sozinho”, “já sei vestir-me sozinho” “a mamã diz que eu sou um crescido porque já não faço birras” e é assim pela vida fora, quando entram para a escola, quando terminam o curso, quando tiram a carta e compram o primeiro carro, quando conseguem o primeiro emprego, quando casam, quando têm filhos, etc.

Ajudar um filho a tornar-se autónomo e independente, capaz de fazer o seu caminho e alcançar os seus sonhos, é uma das principais recompensas e alegrias dos pais. Ou pelo menos, deveria ser.

Os pais “helicóptero”

O “overparenting”, “pais helicóptero” ou “maternidade de estufa” são termos utilizados para definir um perfil de pais nascidos a partir da década de 60/70 que começou a ter os seus filhos na universidade por volta dos anos 90/2000. Estes pais são superprotetores dos seus filhos, sempre na frente de combate para antecipar ou resolver problemas ou situações relacionadas com os seus filhos. São pais que supervisionam e controlam constantemente as atividades dos filhos, dando-lhes pouco espaço para explorar e descobrir livremente a vida e o mundo. Estes pais dão poucas oportunidades às crianças de correrem riscos, fazerem as suas escolhas e poderem aprender com os desafios da vida.

Os pais “helicóptero” são também extremamente exigentes com tudo. Educação, disciplina, desempenho académico, amizades, namoros, etc. Os filhos têm que se distinguir em tudo e serem os melhores, sendo que falhar ou desistir não são opções. E para tornar tudo isso como garantido, estão lá os pais sempre com as mangas arregaçadas, para garantir que nada corre mal. Mas não deveria ser esta a missão dos pais? Ajudar a que os filhos tenham o maior sucesso em tudo? Não, necessariamente. Aprender a caminhar pelos seus próprios pés e a lidar com os desafios da vida, é uma das maiores garantias de sucesso na vida.

Se por um lado, é aceitável que as crianças pequenas poderão precisar de ajuda e supervisão para as suas aprendizagens, ainda que de forma equilibrada, torna-se difícil imaginar este controlo na idade adulta. Pais como estes, entram nas faculdades, para pedirem satisfações aos professores pela nota obtida numa determinada disciplina. Pais como estes, entram em concursos de televisão para escolher uma namorada para os seus filhos. Pais como estes, cortam as asas aos seus filhos para crescerem de forma autónoma e saudável.



Dentro da categoria dos “pais helicóptero”, os psicólogos definiram três tipologias que se distinguem entre si pelo nível de proteção:

- os pais que estão constantemente a “pairar” sobre os filhos e a intervir limitando profundamente a sua capacidade de escolha;

- os pais que fazem questão de fornecer orientações, que apontam o caminho que consideram mais adequado mas sem limitar completamente a capacidade de decisão dos filhos;

- os pais que perante uma situação de perigo ou crise, intervêm para proteger os filhos até que estes se sintam com capacidade para seguir o seu caminho.

Este perfil de parentalidade surge como consequência das mudanças na sociedade, em que se passa de uma educação muito autoritária, baseada no medo, para uma educação demasiado liberal em que as regras e o papel de cada um na hierarquia familiar está pouco ou mal definido. As evoluções tecnológicas que permitem que a toda a hora e a todo o momento se possa estar em contacto, a mudança da estrutura familiar sendo que há cada vez menos filhos por casal e em que muitas vezes, o nascimento de uma criança resulta de um grande investimento a todos os níveis por parte dos pais. As crianças tornam-se, assim, tesouros e joias preciosas, que devem ser preservadas a todo o custo. As exigências laborais às quais os pais estão sujeitos e que levam à falta de tempo e de paciência para estar presente e disponível para a família, contribuem para que se confunda o estabelecimento de regras e de limites com a falta de amor e em que se tenta compensar os filhos com opções pouco benéficas para o seu desenvolvimento. É importante não esquecer que estes pais estão a educar crianças e jovens numa sociedade que é cada vez mais heterogénea e aparentemente mais “aberta”, mas onde existe, mais do que nunca, uma pressão para a perfeição e para a excelência e onde a concorrência é cada vez maior e mais acentuada. Parece não haver tempo e espaço para o erro. Temos todos de aprender e saber o mesmo, e que se salve o melhor. 



Tal como afirma o psicólogo Luis Russo, "assim como hoje se exige que as pessoas sejam bem-sucedidas, saudáveis e magras, é preciso ser um pai exemplar de um filho igualmente exemplar.”

Sinais de “Overparenting”

Os “pais helicóptero” são pais geralmente inseguros, ansiosos e controladores tendo alguns comportamentos- padrão tais como:

  • Considerar que tudo é um perigo parra as crianças;
  • Antecipar o que os filhos querem e fazer por eles 
  • Evitar que os filhos façam tarefas domésticas porque qualquer situação pode representar perigo; 
  • Evitar que os filhos brinquem na rua ou quando brincam, estão “colados” às crianças; 
  • Contactar com frequência ao longo do dia, com os filhos; 
  • Controlar os amigos e conversas que os filhos têm; 
  • Ocupar o tempo livre das crianças com atividades extracurriculares, muitas vezes escolhidas por si; 
  • Questionar professores, treinadores, etc. pelas notas e pelas decisões pedagógicas/desportivas dos mesmos; 
  •  Fazer os trabalhos de casa ou estudar pelos filhos; 
  • Transportar os filhos quando estes vão ao cinema ou sair à noite com os amigos; 
  • Estabelecer ligações “de amizade” com os filhos, como forma de saber tudo o que se passa com eles; 
  • Dar elogios desadequados (reforçar positivamente algo que a criança não fez com sucesso “tu és um génio na mesma” quando não realizou bem as contas de matemática – reforçar o esforço é diferente de reforçar o resultado; 
  • Resolver os problemas pelos filhos, libertando-os de assumir a responsabilidade perante os mesmos e a procura de soluções. 
Estes pais superprotetores consideram que os filhos não têm idade para executar tarefas e lidar com situações para as quais, supostamente, já estão capacitados. Têm também receio que os filhos não os amem ou de ser julgados pela restante família e amigos. 

O “overparenting” é muitas vezes um desejo sincero de oferecer o melhor às crianças. Todavia, a ciência alerta para as consequências deste perfil de parentalidade. 

Ter medo de voar: os filhos dos pais “helicóptero”

Os filhos dos pais “helicóptero” são crianças, adolescentes e adultos que, por crescerem sob a capa protetora dos pais, desenvolvem uma personalidade frágil, imatura, muitas vezes infantil, e com fracas competências sociais. Como têm medo de errar, não arriscam, não desenvolvem ferramentas para lidar com a adversidade, com a perda ou com a frustração. Não conseguem ser independentes.

São estas crianças que muitas vezes chamam incompetente ao professor e mais tarde se revoltam contra os pais, desencadeiam crises de ansiedade ou depressões e têm dificuldade em ser aceites num grupo de pares pela dificuldade em criar empatia.

De forma a compreender o impacto do “overparenting” na infância, um estudo conduzido por Nicole B. Perry (Institute of child development, EUA) em 2018, consistiu na observação de 422 crianças e o comportamento das suas mães, ao longo de 8 anos, e revelou que as crianças superprotegidas aos dois anos, sentiram dificuldade em controlar as suas emoções e impulsos na pré-adolescência e tiveram problemas na escola.

É importante registar que, as crianças superprotegidas desde a infância acabam por ter dificuldade em algumas competências essenciais para a vida:

  • Resiliência (capacidade para lidar com os desafios da vida de forma saudável)
  • Criatividade (encontrar soluções/ideias) 
  • Sentido crítico (analisar e refletir) 
  • Autonomia e Independência (capacidade de concretizar, tomar decisões e fazer escolhas por si) 
  • Auto conhecimento (desconhecem o que são e não são capazes de fazer) 
  • Auto Confiança (confiança nas suas capacidades) 
  • Gestão das emoções, tais como a frustração e tristeza 
  • Estabelecimento de relacionamentos interpessoais positivos 
Estas crianças, procuram muitas vezes, na adolescência, o consumo de drogas de forma a permanecerem no mundo “cor de rosa” proporcionado pelos seus pais quando estavam dentro da “bolha”.

O equilíbrio: Dar asas para voar

Todos os pais desejam o melhor para os seus filhos. Pretendem que os filhos se sintam felizes e que cresçam de forma positiva e saudável. E gostam também de ser reconhecidos como portos seguros dos filhos. Contudo, é necessário ter a consciência de que como em tudo na vida, é importante haver um equilíbrio. No que diz respeito à educação dos filhos, esse equilíbrio é um desafio constante porque o mesmo depende de vários fatores tais como o contexto em que a família está inserido, as características dos pais, os padrões educacionais dos mesmos, a forma como gerem as suas emoções e a sua vida, as características das crianças e da restante família, etc.

Tal como afirma o psicólogo Javier Urra (autor do livro “O pequeno ditador”), “antes os pais não tinham tantos livros nem tantas séries de televisão (que os ajudassem na educação dos filhos), mas tinham critérios.”

Recordemos alguns:
  • As regras estão bem definidas e são para cumprir (salvo as exceções)
  • Todos ganham na distribuição de tarefas (nem que se vá dando um olhinho) 
  • Assumir responsabilidades ajuda a crescer! 
  • Cada ato, tem uma consequência. 
  • A imaginação é o limite – pôr as crianças a pensar na procura de ideias e de soluções 
  • Saber errar para errar cada vez menos… 
  • A vida não é sempre um mar de rosas (enfrentar as dificuldades de forma natural e não evitá-las). 
Um bom pai não é aquele que corta as asas ao seu filho, mas sim aquele que o ensina a voar e que está sempre lá para o encorajar nos seus voos ou ampará-lo nas suas quedas.

Com regras e com amor,
A vossa psicóloga, 

Ana Trindade


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