Quando me perguntam sobre o aborto a minha resposta foi sempre unânime, sou a favor desde que se tenha um motivo muito válido para o fazer e que a decisão seja consciente com todas as consequências que isso possa implicar.
Só quem passa por um assunto tão delicado como um possível aborto é que pode responder de uma forma válida. Tudo o resto são vozes com opiniões muitas vezes levianas.
No entanto sou contra um aborto, porque sim. Só porque agora "não apetece".
O que vos posso dizer é que vivenciei na primeira pessoa: A decisão de interromper uma gravidez "não válida" ou meter em causa a qualidade de vida de um bebé e o bem estar de uma família inteira.
E sim. Esta gravidez foi interrompida por mim, de forma consciente, sem que houvesse vozes de terceiros a pressionar uma decisão.
Quando tomei a decisão de fazer a amniocentese foi de ânimo leve, não havia nada que indicasse algo. Mas como já partilhei convosco desde que o Tomás nasceu, que tenho feito por opção pessoal e também devidamente aconselhada pelo meu médico que tanto confio.
Vou sempre sem medos, e esta gravidez não foi exceção. No momento em que a agulha está para ser espetada, a médica recua e diz-me que se a posição do bebé não mudar, que não arriscaria, até porque não havia motivo aparente para a fazer.
Mas assim que o diz, o bebé muda a posição e ela de uma forma segura espeta.
Repouso absoluto durante três dias. Estava tranquila e pouco ou nada pensava naquele resultado.
Até que num dia a sair do trabalho, já tarde, o meu telefone toca, e aí tremi! Naquele momento percebi que algo não estava bem, não pelo telefone porque todos os resultados me foram dados dessa forma, mas pela energia negativa que senti, quando vi o nome da minha médica no telefone.
Respirei fundo, atendi!
"Andreia, onde está? Estou a ir para casa. Mas está sozinha? Sim. Quer que lhe ligue mais logo? Não, pode já dizer.
Andreia, não tenho boas notícias para lhe dar, e aí foi como se tivesse levado um soco no estômago tão forte, que me levou o ar. Ouvi com atenção: O bebé veem com uma alteração muito grave, com graves problemas a nível de orgãos vitais, motoros e cognitivos. Com uma esperança média de vida pequena. É algo muito raro. E Andreia, não é uma trissomia, vai muito mais além que isso. É Grave!
Já falei com o seu médico ele já sabe de tudo, vá para junto do seu marido e vejam com o vosso médico o melhor para vocês. Do que precisar de mim estou aqui".
Desliguei. Fiquei cinco minutos dentro do carro a chorar e a pensar como é que aquilo me estava a acontecer. Ceguei naquele momento, não consegui pensar em nada. E a dor aumentava quando me lembrava que seria eu, sozinha, a dar esta notícia ao meu marido.
Respirei fundo mas ao mesmo tempo que respirava, as forças falhavam. Em segundos tive de ganhar forças para dar esta notícia quando eu ainda nem as tinha para mim.
Nunca desejei tanto não ir para casa, como naquele dia. Abro a porta de casa a tremer, olho para o meu marido e tenho-o a sorrir para mim enquanto está a dar o jantar à Constança. Vou em direcção à sala, respiro fundo, e em frações de segundos chamo-o, e naquele momento ele percebe que algo não está bem.
Dei-lhe a notícia a chorar e naquele instante vejo-o tal como eu, a desfalecer! Vejo-lhe a revolta no olhar e a preocupação por mim como nunca tinha visto até então.
Naquele momento, metemos tudo em cima da mesa e decidimos juntos!
Seria um caminho ingrato e sem esperança para um bebé indefeso e para uma família inteira. Não podíamos ser egoístas, ao ponto de trazer um bebé ao mundo para sofrer e dar uma batalha sem esperança aos nossos três filhos que já cá estavam.
Nãos lhes quis fazer isso! Estava muita coisa em causa!
E foi nesse dia que rejeitei a minha barriga, tive três dias sem olhar para ela. É duro carregar um filho na nossa barriga para depois o "matarmos".
Palavra forte esta! Mas era assim que me sentia. Culpada!
Foi esta, a razão da minha gravidez interrompida às 19 semanas.
Hoje com alguma ajuda, não me sinto culpada, tenho a certeza da minha decisão! E não me arrependo em nada. E a palavra morte deu lugar à palavra salvar. É nisto que hoje acredito. Que salvei a minha filha do sofrimento.
Sei que este assunto é controverso e que gera muita opinião. Mas não se esqueçam que deste lado está uma pessoa com sentimentos e que não precisa de julgamentos.
A Empatia deverá prevalecer sempre para um mundo melhor!
Eu disse-vos, que a seu tempo vos contaria os motivos, e hoje estão aqui preto no branco.
Obrigada pelo vosso carinho, respeito e amor que nos fizeram chegar neste período tão difícil da nossa vida. Serei-vos eternamente grata.
Um beijinho
Andreia